Os novos anos 20
- Ivan Mouta
- 14 de dez. de 2020
- 4 min de leitura

No dia 1º de janeiro de 2021 daremos início a mais uma década, uma “nova década de 20”. A última que vivemos, iniciada em 01/01/1921, ficou conhecida como “os loucos anos 20” e um olhar nela pode nos trazer importantes lições, nesse novo ciclo que se anuncia.
Na ocasião o mundo ainda sentia os efeitos da Primeira Guerra Mundial – 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918 – e reencontrava a felicidade em viver num mundo com menos escassez e preocupações, imperando uma alegria sem precedentes. O centro de poder e da economia mundial saía de uma Europa arrasada pela guerra e se encaminhava para os Estados Unidos. Ocorreram muitas mudanças na arte, na moda e na forma de comportamento da sociedade, foram anos de muitas inovações tecnológicas, grandes descobertas na medicina e elevado desenvolvimento da imprensa. No Brasil, nasceria o rádio, oficialmente em 7 de setembro de 1922, com a transmissão de um discurso do então Presidente Epitácio Pessoa, mas iniciando sua efetiva operação em abril de 1923. Também em 1922, entre os dias 11 e 18 de fevereiro, vivemos, no Teatro Municipal de São Paulo, nossa Semana de Arte Moderna, uma grande manifestação artístico-cultural genuinamente brasileira, manifestada na pintura, literatura, escultura e música, entre outras. A Semana de Arte Moderna é considerada um dos marcos na nossa história, responsável por vários desdobramentos culturais que surgiram a seguir.
Nesse período da história as mulheres, muito por conta da guerra, assumiram papéis antes exclusivos aos homens e mostraram toda sua capacidade, o que fez com que, após a guerra, continuassem sua luta por condições iguais e por reconhecimento ao seu árduo trabalho, na maioria das vezes em dupla jornada. Elas começaram a expressar sua individualidade e na moda passaram a exercer o direito de se vestirem da forma que desejassem, com braços, decotes e pernas à mostra, lábios vermelhos e cabelos mais curtos. Tudo isso sem admitir julgamentos ou qualquer tipo de desrespeito. Nos Estados Unidos conquistaram o direito ao voto em 1920, no Brasil apenas em 1933 as mulheres puderam votar e serem votadas. Depois de cem anos é claro que muita coisa mudou, elas conquistaram, merecidamente, seu papel de destaque na sociedade, mas ainda ganham bem menos que os homens e poucas ocupam altos cargos nas empresas. O julgamento por suas roupas, cabelos e orientações sexuais mudou pouco nesse século que se passou, continuam sendo agredidas física e psicologicamente e muitas vezes são, de forma absurda, consideradas culpadas pelos maus tratos que recebem.
A vida nos anos 20 foi de intensa mudança nos hábitos sociais e políticos. Os clubes de jazz levavam pela primeira vez os ritmos negros para ambientes, até então, só de brancos americanos, o que aflorou o lado racista de muita gente. Teve início nessa época muitos movimentos negros na busca pela igualdade de direitos. No Brasil, as disparidades entre brancos e negros eram enormes e havia uma forte política favorável à imigração europeia no País, o que para muitos significava um processo de “branqueamento” da nossa população. Passado tanto tempo e com inegáveis conquistas no caminho, muitos acontecimentos recentes, em todo o mundo, mostram que pouco evoluímos e continuamos classificando as pessoas pela cor de sua pele e por suas condições sociais. É hora de dar um basta nisso, nos revoltando com quem tem atitudes racistas e preconceituosas e, principalmente, passar para nossos filhos que as diferenças não diminuem as pessoas, mas as tornam especiais.
A década também sucedeu uma forte pandemia, a Gripe Espanhola, que entre os anos de 1918 e 1919 matou mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. A Primeira Guerra Mundial foi preponderante no alastramento dessa doença pelo mundo, principalmente nos palcos da guerra. No Brasil, ela surgiu em setembro de 1918 e foi responsável pela morte de mais de 30 mil brasileiros. Ainda não nos livramos de nossa pandemia atual, mas muita coisa se assemelha a do século passado, como desinformações e ceticismos, a evidenciação das desigualdades sociais e, de forma positiva, o afloramento da solidariedade entre as pessoas.
A sensação do começo dos anos 1920, de esperança, de uma era de liberdade e buscas por igualdades, não se concretizou por completo, a juventude dessa época, por seu estilo de vida, considerado alienado e superficial, foi por muitos chamada de “geração perdida”. A sociedade pouco aprendeu com os acontecimentos dos anos anteriores e houve uma grande expansão do conservadorismo e, consequentemente, da xenofobia e intolerância. A década não terminou bem, em outubro de 1929 ocorreu a “quebra” da Bolsa de Valores de Nova York, levando os investidores a perderam tudo, abalando toda a economia dos Estados Unidos e do resto do mundo, como um todo. A Europa, que ainda sofria os efeitos da Primeira Guerra Mundial, viria permitir a ascensão do Nazismo, liderado por Adolf Hitler, que chegaria ao poder em 1933, trazendo o preconceito e o ódio, culminando na Segunda Guerra Mundial, que durou de 1939 a 1945. Atualmente, também vivemos no meio de muita intransigência, desrespeito às opiniões e opções uns dos outros e paira no ar uma preocupante xenofobia e um conservadorismo religioso muito forte e, na maioria das vezes, intolerante.
A história é fascinante e muitas das vezes cíclica e seus tão importantes registros servem para que evitemos cometer os mesmos erros do passado, aprendendo com eles e mudando nossa forma de agir quando acontecimentos surgem novamente. Que os “novos anos 20” também sejam de esperança por dias melhores, como foi no século passado, mas que dessa vez não deixemos passar as oportunidades para que isso se concretize e que seja um marco para uma nova era em nossas vidas, com respeito e solidariedade ao próximo.
Ivan Mouta
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